O economista João Manuel Cardoso de Mello defendeu medidas mais ágeis para o país não entrar em recessão
No dia 29 de outubro, o Ciesp/Campinas e a Facamp, promoveram um encontro entre empresários e o economista João Manuel Cardoso de Mello, para falar sobre a crise econômica de crédito mundial. O palestrante é Doutor em Ciências, foi um dos fundadores da Unicamp e é diretor geral da Facamp. Ele é autor do livro ?O Capitalismo Tardio?, sobre a economia brasileira. Na palestra ?A Crise Financeira Internacional e a Economia Brasileira?, Cardoso de Mello explicou as causas da crise e fez um retrato realista do momento. Ele detalhou os efeitos, fez críticas e deu sua opinião, embasada na sua experiência, sobre quais as medidas que precisam ser tomadas para enfrentar a situação, que segundo ele, ?é de extrema gravidade?. Leia a seguir, trecho da palestra:
?Não adianta nada ser otimista, vamos olhar a coisa com realismo. Não adianta ser otimista e nem ser um urubu, torcer para a coisa afundar. Então vamos olhar a coisa com frieza: primeira coisa, a crise já nos afetou e vai nos afetar nas exportações, no crédito e no preço de commodities, eles vão cair mais ainda. Nós já estamos na crise, não era possível, numa economia globalizada, o Brasil não entrar na crise.
Agora, nós temos algumas vantagens. Antes de tudo, qual é a grande vantagem? O sistema financeiro sólido. No geral o sistema financeiro vai bem. O que acontece aqui? A mesma coisa, teve uma contração de crédito. O governo agiu tardiamente. Tinha que soltar o compulsório há mais tempo. Cerca de 20% a 30% na contração de crédito é uma barbaridade e é o que existe mesmo hoje.
O banco corta prazo e sobe juros. Os bancos estão assim: o governo liberou os compulsórios, mas não obrigou o banco a emprestar. Então o que eles fizeram? Compraram títulos públicos. Se não obrigarem a emprestar, eles vão continuar comprando. E a liquidez mais uma vez empossa. A incerteza é enorme e a falta de confiança é total. Então nós temos que dar um jeito. Na verdade, ou eles emprestam, ou os bancos públicos têm que assumir o lugar deles, porque do jeito que está não dá para ficar.
O governo interveio em outras coisas e está intervindo também com atraso. E outra coisa muito importante: primeiro a construção civil, porque as empresas começaram a comprar terrenos, então hoje eles têm muito terreno e não tem dinheiro para fazer construção, por isso que as ações deles despencaram. Então o governo tem que dar o dinheiro para o sujeito, para haver construção, não pode paralisar o mercado de construção, não pode desativar projeto de investimento, porque, além do emprego, que é uma coisa decisiva, tem todas as cadeias produtivas.
Outra coisa que caiu abruptamente, e este problema é muito grave, é a indústria automobilística. Eu tenho um número aqui, que é um número que vocês vão levar um susto, mas é real. A demanda de automóveis caiu 40%. Porque não tem crédito. Precisa socorrer, não pode deixar despencar o mercado de automóveis. O mercado de usados está paralisado, praticamente. Não pode fazer isso, porque as conseqüências são terríveis. Qual é o nosso risco? É cair numa recessão. Então nós temos, na verdade, que ativar essa coisa e fazer o que for necessário.
O governo está fazendo, mas está fazendo devagar. Tem que ajudar, não pode deixar uma grande empresa brasileira que tem projetos de investimentos importantes paralisar seus investimentos. Não pode! E precisa parar com esse negócio de que é dinheiro do contribuinte, que é o falso moralismo, que é uma coisa irritante. Numa hora de crise não pode ter preconceito ideológico, porque se trata, na verdade, de manter a economia funcionando e impedir uma recessão e poder chegar a uma taxa de crescimento de 1% a 2% (ao ano), que já está bom. Agora, o que nós não podemos é mergulhar a economia brasileira numa recessão.
E aí vem um sujeito que acha que o problema é da inflação. É um manicômio isso. Aqui no Brasil é uma coisa louca, porque quando a economia sobe, falam: ?precisa subir os juros e cortar gastos? e quando desce dizem: ?precisa subir os juros e cortar gastos?. Há uns negócios inacreditáveis. Precisa gastar agora. Não pode paralisar nenhum gasto público, nenhum desses projetos do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), nenhum projeto importante do pré-sal da Petrobras, não pode ficar atrasado. Nós temos que dar um jeito de reforçar o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Se for preciso baixar o superávit, que abaixe. Não se fala em inflação mais, a crise é desinflacionária. Aqui pode haver uma corcova de inflação por causa do câmbio, que é um outro problema. A conjuntura de preços é deflacionária. Então nós temos que atacar isso. Qual é o perigo? Deixar cair numa recessão, porque depois que caiu numa recessão, para tirar não é fácil. O melhor é não cair, vamos segurar, que é o que nós podemos fazer. Evidentemente, se for preciso subir o gasto público, sobe o gasto, qual é o problema? Se for um gasto de boa qualidade, melhor ainda, de preferência reforçando o gasto do BNDES. Façam qualquer coisa, só não deixem o negócio afundar.
Agora tem o problema do câmbio, também tem que estabilizar o câmbio, porque não é possível essa oscilação. Como é que o empresário põe preço? Ele parou porque não sabe qual é o custo de reposição dele, quanto é que o dólar vai estar lá na frente. O sujeito não sabe qual é o dólar que ele vai tomar em conta para exportar. Tem que estabilizar o câmbio.
Finalmente, eu acho que nós temos condições de deter e circunscrever o problema. Não mergulhar a economia para baixo e nos agüentarmos, se nós estivermos juízo, nós vamos baixar o crescimento, não é bom, mas nas circunstâncias, baixando o crescimento e vamos navegando no meio dessa borrasca, que passa. Em médio prazo eu sou extraordinariamente otimista, porque eu acho que o dado mais importante da história do Brasil foi a descoberta do pré-sal.
Nosso desenvolvimento sempre teve atrapalhado por problemas de base de pagamentos. Isso, na verdade, se feito também direito, vai dar um horizonte de folga externa para nós podermos fazer taxas de crescimentos maiores do que as que temos visto até aqui. É viável? É viável, a exploração do pré-sal é viável com petróleo até 50 metros e há consenso no mercado internacional de que o petróleo não vai baixar mais do que US$ 50 dólares (o barril).
Isso vai nos abrir uma avenida para crescer. Então eu não sou pessimista, ao contrário. A gente precisa acabar com esse negócio de pessimismo no Brasil, ao longo prazo. Aqui é o seguinte: o povo brasileiro tem muitos recursos, nós sabemos, e temos as virtudes, dentre as quais o empreendedorismo. Se não atrapalhar, o sujeito faz, vai fazendo, como se viu agora nesses dois anos. É uma diferença, às vezes a gente não tem consciência do patrimônio que isso representa. Quando a gente vê em outros países, é tudo parado, as pessoas são paradas, aqui todo mundo quer empreender, todo mundo quer fazer coisas.
Então nós temos virtudes, nós já tiramos esse país, em 1930 esse país era um ?fazendão?, bem ou mal, era isso. Tem problemas, tem tudo, isso aí nós sabemos, mas isso daqui está em pé. Então, em médio prazo, eu acho que nós temos que enfrentar a crise e segurar, que eu acho que é possível, perfeitamente e vamos abrindo depois para vir um crescimento mais acelerado. Por isso que a rigor eu não sou pessimista, agora, temos que agir corretamente e a tempo. Eu estou muito preocupado com a desaceleração rápida da economia, porque as coisas vão muito depressa, então esperamos que o governo se mexa com um pouco mais de agilidade.?